19/07/2012

CES: "A manipulação xenófoba dos direitos das mulheres"

Convite à submissão de artigos para os e-cadernos ces
Organização: Júlia Garraio, Mihaela Mihai, Teresa Toldy

De há alguns anos para cá, certos discursos sobre os direitos das mulheres têm servido frequentemente de base a interesses políticos cujo objetivo é controlar e excluir determinadas comunidades. Será que estamos verdadeiramente perante uma maior consciencialização dos direitos das mulheres e um feminismo institucional que entra em confronto com certas práticas culturais e religiosas ditas “retrógradas e incompatíveis com a igualdade entre homens e mulheres”? Ou dar-se-á o caso de as referências aos direitos das mulheres constituírem apenas uma máscara para atacar determinados grupos, através de cuja exclusão o “centro” se define a si próprio? E será a Europa uma exceção? Encontrar-se-ão situações semelhantes noutras regiões do mundo, onde os direitos das mulheres são instrumentalizados com o propósito de rejeitar o “Outro”? Será possível encontrar uma linha de continuidade entre as práticas de exclusão do presente e as do passado, como por exemplo no discurso colonial no que toca a “salvar as mulheres” de práticas bárbaras?

O corte genital feminino, a institucionalização de leis da família de cariz religioso, os direitos reprodutivos, determinadas perceções dos papéis ditos “corretos” relativos a homens e mulheres ou a exploração sexual encontram-se no âmago de debates ferozes em curso na Europa, nos quais os direitos das mulheres são frequentemente usados para atingir determinados grupos culturais e religiosos. O uso das várias formas de véu muçulmano desencadeou emblematicamente reações inflamadas de vários setores da esfera pública europeia. Consequentemente, as mulheres de certas origens poder-se-ão sentir confrontadas com uma escolha trágica entre os seus direitos como indivíduos e as suas afiliações culturais e religiosas.

A “sobreculturalização” dos termos destes debates tem um impacto negativo na qualidade da deliberação do público:

1. A complexidade interna e a multiplicidade de funções que as práticas culturais desempenham para aquele/as que as praticam permanecem ofuscadas.
2. Os fatores não culturais (económicos, geopolíticos, ambientais) que afetam as vidas das mulheres são invisibilizados.
3. Promovem-se agendas imperialistas, xenófobas e racistas sob o pretexto da defesa dos direitos das mulheres.
4. Invisibilizam-se as formas de agência das mulheres dentro das suas culturas.
5. Os níveis de violência contra as mulheres ditas “emancipadas” no Ocidente permanece ausente da discussão.

Este número temático do e-cadernos ces pretende apresentar uma análise atenta e rigorosa de algumas destas questões, interrogando em que medida a tensão entre os direitos individuais e os direitos culturais/religiosos é real e insuperável, ou fabricada com o objetivo de proteger certos interesses políticos.

Convida-se à apresentação de artigos sobre a culturalização e a instrumentalização dos direitos das mulheres na esfera pública de vários países, bem como artigos que abordem a tão debatida tensão entre os direitos civis e os direitos políticos, por um lado, e os direitos culturais e religiosos, por outro. Aceitam-se também artigos que interroguem a dimensão institucional das seguintes questões: são bem-vindas tanto críticas das instituições existentes, como propostas construtivas de reforma. Embora o nosso foco seja a Europa contemporânea, também se aceitam contributos sobre outras épocas e regiões em que se verifiquem processos de instrumentalização das mulheres e dos seus direitos com objetivos racistas e xenófobos.

Aceitamos uma pluralidade de posições teóricas e metodológicas e encorajamos propostas da sociologia e política social, das políticas públicas, da história, teologia, filosofia política, dos estudos culturais, bem como artigos de ativistas e juristas. Através de um diálogo interdisciplinar entre as diferentes perspetivas esperamos contribuir para um aprofundamento dos debates em curso.