19/02/2008

O CORPO ATRAVESSADO PELO POEMA - o corpo como linguagem na obra de Paula Tavares (ler mais)




Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Estes versos de Natália Correia, escritos em plena ditadura, um lamento da condição censurada, não podem, no entanto, evitar uma espécie de releitura depois de 1974. Porque este é um cravo que pesa como chumbo na nossa cabeça. Nós, os primogénitos da Revolução dos Cravos. Na era de todos os pós, nós, em Portugal, somos (além de todos os outros) Pós-Revolucionários. Injectados de todas as esperanças dos nossos pais, nunca poderíamos ser mais do que uma enorme decepção. Decepção, aliás, que devolvemos com igual desprezo, mas nenhuma paixão.
Não deixa de ser irónico que, mais de trinta anos passados sobre o 25 de Abril, esta geração se reveja tão facilmente na “Queixa das Almas Jovens Censuradas”, neste corpo que não reconhecemos, que não nos serve e que é, porém, a nossa identidade. O corpo desmembrado é um corpo que nos foi dado antes de o pulverizarmos. É um corpo que nos escreve como a um texto, articulado de forma a dizer-nos que somos para jamais nos parecermos connosco quando estamos sós. A este simulacro (porque é realmente cópia sem referente) de nós próprios que mais podemos fazer senão retalhá-lo, desconstrui-lo, aniquilar-lhe o sentido? Ou talvez expô-lo, mostrar as emendas, as costuras, a cola que se esborra, as entre-linhas? Se nos mandaram cortar os pés para caberem no sapatinho, então podemos cortar qualquer coisa e juntar outra coisa, desmantelar e reordenar, reescrever a nossa identidade. E dispensamos príncipes!
Ovelhas obedientes falamos a língua do pai (conhecemos outra? não será a língua muito mais paterna que materna?), o nome/não do pai, mas escrevemos outra história (talvez Édipo e Jocasta possam viver felizes para sempre ou talvez não).

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